sexta-feira, 18 de julho de 2008

Puna


Foi-me apresentada pelo marido. Não me consigo recordar da casa onde tinha lugar a recepção. Era um cocktail onde se encontravam muitos europeus, essencialmente Ingleses. A maioria era militares acantonados em Puna. Havia na sala alguns indianos, filhos da elite local, sobretudo burgueses que haviam enriquecido no comércio com o Império.
Todos eram estranhos naquela sala, onde o único elo comum era o sentimento de não pertença a coisa alguma. Para mim, esse era o género de sentimento que tinha experimentado toda a vida e talvez por isso me sentisse mais à vontade.
O marido era bastante mais velho e de fraca figura. Fui tomado por europeu, devido à minha tez clara e aos meus olhos azuis.
Os meus olhos fixaram-se nos seus e decidi apaixonar-me. Não sou hipócrita para dizer que foi o destino ou o impulso do coração. Decidi por uma relação baseada numa figura agradável que aparecia diante de mim.
Encetou um diálogo pouco interessante e sem que nada o fizesse prever começou a revelar-se. Partilhou fragmentos da sua existência, gostos, estilos, modos de estar. Falou-me de poesia e da sua paixão por Tagore. Era para ela um símbolo, o sonho de uma Índia emancipada, falava abertamente dos seus ideais e sem que se apercebesse recitei-lhe lentamente:
“Peço por um momento de indulgência para me sentar ao teu lado. Os trabalhos que tenho entre mãos terminá-los-ei depois.”
. Sorriu. Se continuasse tê-la-ia ofendido?
Aceitou espantosamente o meu convite e sentámo-nos no alpendre, no exterior da casa colonial. Preparava-me para declamar: “ O meu coração não tolera o repouso fora do vislumbre do teu rosto”, quando colocou um cigarro na minha boca e acendeu docemente. Engasguei-me. Contemplou-me e viu um jovem universitário. Assumiu um porte altivo, tirou-me o cigarro da boca e saiu vagarosamente a fumar. Um momento antes de regressar à sala voltou-se:
- Espero que conclua os seus estudos com distinção
.

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