quarta-feira, 16 de julho de 2008

A Fome

Os cinco homens envergavam um uniforme caqui, de atavio disparo, tinham um aspecto famélico e eram escuros. Pareciam ter receio de importunar a paz da casa, assumindo uma atitude subserviente, o que era irónica para um invasor. A palavra “uniforme” talvez tivesse uma aplicação abusiva, era tudo menos isso. Por felicidade do destino, porque mesmo no infortúnio existem factores de alegria, um deles falava Inglês. O Inglês era a única língua que os filhos da Mãe Índia encontraram para se entenderem. Foi quanto bastou para esclarecer as suas intenções: tinham fome. A fome provocada por uma crise económica que avassalava a Índia. Foi a crise que levou à Invasão numa tentativa de desviar as atenções para o problema real da Índia. Sempre a fome, provocada por um sub-continente sobrepovoado, por um tecido produtivo e industrial devastado pelo colonialismo Inglês, que anulava toda a iniciativa transformadora na indústria e na agricultura.
Mahatma Gandhi tinha falado do respeito pela dignidade humana, do valor da resistência pacífica, educou um povo para os valores mais elevados de Deus e dos Homens. Mas os valores do Mundo são diferentes dos do Faquir de panos como Winston Churchill lhe chamou.
Poderias tu, meu querido faquir, ter conduzido o Mundo com a tua fragilidade física, embainhando exclusivamente a eloquência da tua sabedoria? Será que o teu espírito não sucumbiria também ao poder do poder? A essa força que arrasta todos os homens bem intencionados para a corrupção do corpo e da alma? O teu discípulo mais fiel, Jawaharlal Nehru, que sofreu como tu o jugo imperialista veste agora a pele do lobo.
Descobriu a paixão da subjugação. Descobriu que é mais fácil oprimir que libertar, mas a sua grandeza perdeu-se para sempre nos corações dos que sofrem. Deves ter-te sentido osculado na face por Judas no Jardim das Oliveiras. No fundo é o teu discípulo que te trai. Mas a tua grandeza será sempre messiânica, protegeste-te da mácula do poder saindo de cena. E agora que devo fazer com estes soldados a invadir-me a casa?
Recusaram o dinheiro que lhes ofereci. Limitaram-se a dizer que tinham fome e confiscaram-nos a colheita de arroz. Regressarão amanhã com um veículo apropriado. Esperarei estoicamente o salteador e darei ordens para que ajudem a carregar o arroz. No fundo são homens com fome.

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