segunda-feira, 31 de maio de 2010

Morada Perdida

Talvez a vida não chegue para o tempo que quero para ti. Foram muitas as cartas em que me imaginei a escrever-te, sem nunca o ter feito. Por não ter a tua morada, a tua cumplicidade… O que realmente me aborrecia, não era não saber de ti. Era não ter um destinatário. Uma espécie de musa que me fizesse regressar ao que aspirava ser. A minha Dinamene…No princípio tudo parecia fácil, a minha mulher, uma casa, os filhos e um país para descobrir. Mas as saudades enganam. Quando pensava que te tinha esquecido, tu regressavas sem aviso. Como se tivesses acabado de te ausentar. Ficava ansioso. Esperava que entrasses a qualquer momento na minha casa de Luanda. Ver-te regressar à minha vida, como o fizeste em Goa, sem te anunciares, a espantares-me com a tua beleza naquele hotel junto ao rio.
A possibilidade de te voltar a encontrar é nula. A Índia é demasiado grande para uma segunda coincidência. Há milhares de pessoas e nós não temos vontade. Em miúdo escutava histórias de faquires. Ouvia que quando pensavam com muita força, a sua cama de pregos levitava e voavam para junto de quem queriam. Quando cresci, desiludi-me. Pensar num reencontro é tão absurdo como esperar que me reconhecesses. Não me refiro ás feições, que estão velhas e me aborrecem. Falo do meu espírito que deixou de te desejar. Pelo menos é nisso que trabalho todos os dias para me convencer. Ainda assim, gostava de ser mais novo. Não por viver mais, apenas um desejo estúpido de emendar o passado. Consolo-me com este vício terrível de me imaginar a escrever-te. A ver-te ler as palavras que já não sinto. Tento afastar estes pensamentos que me parasitam o bem-estar. Outras vezes tento recordar-me do teu corpo e a memória atraiçoa-me. Faltam-me as expressões do teu rosto. Se te reencontrar vais estar velha e gorda. Nesse dia vou compreender que não foi para ti que sonhei escrever. Um tormento que não chega nem me abandona.