sexta-feira, 18 de julho de 2008

Pangim

O regresso faz-nos renascer. Espera-se que nos seja restituída uma parte de nós que não viveu. Tenta-se apanhar um comboio em andamento. Voltar à velha casa é como recuar à meninice. Depois descobre-se que o tempo não esperou por nós. As diferenças vão-nos provocando pequenas moças. Quem autorizou o meu pai a cortar a mangueira? Quando posso voltar a trepar e abocanhar o suco amarelo, ter o prazer de saborear nas minhas próprias mãos as mangas Hilário…Agora já não te consigo ouvir - Desce imediatamente espécie de saguim! - Disseste que estava a cair em cima do telhado, mas a árvore era minha, foi de lá que caí, era ali que me puxavam as orelhas quando descia. Espero encontrar a minha mangueira em cada retorno para descobrir o que tu a mandaste remover da minha vida. Encontro o sufoco de tudo o que não esperava encontrar. Porque não quiseram esperar por mim? Deixo de pertencer. As velhas caras saúdam-me com distância, ter-me-ão visto na véspera? Por que não fizeram uma festa de boas-vindas, não organizaram nada. Estive longe, sofri, esperava a solidariedade da minha gente.
Um carro buzinou enquanto subia ao Altinho. Não olho. Não estou habituado a que me saúdem na rua. A parte de mim que andava na rua em Puna dissolvia-se na multidão. Havia o doce refúgio do anonimato.
-Olá Sr. Engenheiro!
Será que me vão continuar a proibir de subir ás árvores? Está a falar comigo. Tenho uma entrevista marcada no palácio do governador. Fala-me de grandes projectos de desenvolvimento, da exploração do minério, da necessidade de cartografar, de construir estradas.
- O seu pai falou-me do seu empenho. Notas fantásticas. Agora já sabe, Sr. Engenheiro, temos um império para desenvolver. A Pátria precisa de homens qualificados. Amanhã pelas nove horas, está bom para si?
O meu pai omitiu alguns detalhes. Deve-se ter esquecido de lhe dizer que mandou cortar a minha mangueira. A filha da casa que me criou não esperou por mim para morrer. Era a minha mãe. Paulina fora abandonada numa manhã à porta de nossa casa. Acabou por se tornar minha ama. Nunca casou. Era filha bastarda de um a amigo de meu pai. Era filha de uma relação fortuita. Os amigos trocavam favores entre si e as crianças eram abandonadas numa permuta previamente acordada. Foi a verdadeira mãe que conheci, bastava ter-lhe dito adeus. Devia lá ter estado para lhe segurar a mão no derradeiro momento. Era ali que estava a minha Pátria.

1 comentário:

  1. Conheço o sabor amargo do regresso a esse tempo que não esperou. Mas há outra parte do passado que me faz sofrer: a que não consegui dominar. Porque falhar pequenos sonhos é falhar parte da vida, é perder o caminho. Que sonhos eram os dele?

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