terça-feira, 22 de julho de 2008

Emancipação

Puna adquirira um esplendor novo. As ruas foram limpas, enfeitou-se as casas, preparou-se a festa. O primeiro aniversário da independência deveria ser celebrado com pompa e circunstância. Um dia de união nacional, de exaltação do espírito patriótico, porque um país também se constrói com fanfarras e sessões solenes.
Cinco homens afixavam vagarosamente cartazes na rua, um a um, demorando a tarde a percorrer a avenida . Anunciava uma conferência: “Maharshi Karve - contributes for women emancipation”. Fazia parte de um ciclo de conferências organizado por antigos membros do movimento de libertação. Inseriam-se nas comemorações. Entre os oradores destacava-se um nome que permanecera latente na minha memória no último ano. Decidi ir. A sala estava cheia, um calor sufocante e uma voz sobressaía ao compasso da trepidação das ventoinhas do tecto - Eras o único ponto de interesse na sala, o meu pequeno oásis - Jaya estava mais bonita que há um ano. Usava um sari preto, uma trança apanhada, uma voz empolgante. Fixaste o teu olhar quando entrei e a tua voz oscilou para logo a seguir retomares, como dantes, cristalina, indiferente à minha chegada. Foi a tua maneira de me chamares, de me dizeres que aguardavas a minha chegada com a pontualidade de um encontro.
Mas depois de ti havia mais oradores, um sem-fim de palavras, palmas, novos discursos que recomeçavam e acabavam na minha irritação. Na primeira fila do auditório lá estava o teu marido a aplaudir, delirante, com os seus dentes amarelos (estavam mais tortos). Já te disse que o odiei esse pulha mesmo antes de o conhecer?
Seguiu-se um pequeno beberete, esperei que estivesses só, mas os panegíricos não te largavam. Devo ter sido o único que não prestou atenção ao que dizias. Só a ti. Agora conseguia sentir o teu cheiro. Deves ter discursado bem, ninguém parecia querer libertar o teu espaço. Aproximei-me.
- Não sabia que se interessava pelos direitos das mulheres na Índia.
Nunca me interessei. Não entendo porque conduzes a conversa para um assunto do qual nada entendo. Não podemos voltar a falar da vida, de ti? Pediste-me um minuto, retiraste-te, esperei. Deixaste-me só na sala.

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