quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Mulher

A Rosu esperava-me na varanda. Acabava de chegar de uma missão na selva. Florida tinha conquistado o seu coração. Talvez tivesse sido ao contrário. A Rosu percebeu desde o primeiro momento o quanto ela era importante para mim . Entendeu a animosidade de toda a família, a minha revolta, o olhar perdido de Florida. Aos poucos, discretamente, introduziu-a na casa. Explicou-lhe o lugar de tudo e mais tarde tentou explicar-lhe o das pessoas. A Rosu nunca colocou uma máscara de autoridade . Limitava-se subtilmente a tecer breves considerações sobre as preferências de cada um. Explicou-lhe os momentos exactos de cada aproximação. Nunca deveria tentar nada quando tivessem todos juntos. Seria tudo muito mais difícil. Uma espécie de relutância. Um deleite mórbido em excluir.

- Bai gosta de tomar o seu brandy na sala depois de jantar. Não tente nada por aí. Aprenda a jogar eleven. Falta-lhe companhia para o jogo.
Não gosta que a vejam beber.

As expressões teimavam em endurecer-se quando falava. As conversas cessavam quando a viam. Por vezes, chegavam ao ponto de ir baixando progressivamente o tom até se calarem de vez à medida que se aproximava. Quando passava por casualidade num corredor da casa, desviavam-se subtilmente, faziam um pequeno compasso de espera e arrancavam a passo apressado.
Tudo isto a humilhava. Tentara esconder a sua percepção dos gestos desagradáveis. Ignorou as feridas, o inferno em que o seu mundo se transformara. Estava habituada à sumptuosidade da sua casa, às festas e ao piano por altas horas. Este universo taciturno deprimia-a. A comida era ridiculamente frugal. Não davam festas e recusavam os poucos convites que recebiam. Todo o dinheiro da sua nova família servia apenas a suprema causa da poupança.

- O seu sogro tem a vista cansada. Tem cada vez mais dificuldade em ler o jornal de uma ponta à outra. Tome-o por casualidade e partilhe em voz alta alguns artigos. Está sempre à procura de qualquer coisa nova. Mas o esforço que faz já não justifica as poucas noticias que vão deixando publicar por estes dias.

Sorriu ao ver-me regressar. Era o seu sobrinho secreto que voltava são e salvo. Agarrou-me o braço e puxou-me para um canto da casa. Pôs-me a par de tudo. O Ambiente estava cada vez pior. O casarão tornara-se demasiado pequeno. Não havia aproximação possível. Ao entrar no quarto olhei para o que restava de minha mulher e abracei-a ternamente . Há quatro semanas que estava fora e era demais para recém-casados . Os meus braços cercaram-na. Tentei restituir-lhe alguma vida. Quando a soltei prometi-lhe uma casa só para nós.

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