terça-feira, 22 de julho de 2008

Missa Dominical

Tinha o hábito de ir todos os Domingos à missa pela manhã. A comunidade Católica em Puna era muito reduzida. Algumas irmãs irlandesas, alguns indianos, muito poucos goeses. Nunca fui muito devoto, mas a Índia cataloga as pessoas por religião, casta, estatuto. Era a minha identidade, não havia forma de fugir, era a Índia. Nesse Domingo a missa decorreu sem imprevistos. O Padre era um Kerala, raquítico, progressista, cheio de ideias novas. Celebrava a missa descalço, na forma tradicional de os Hindus mostrarem respeito pelo templo. As suas homilias eram carregadas, com mensagens fortes de combate à pobreza, de tolerância religiosa, de respeito pelos valores da liberdade.
O evangelho era a leitura da mulher adúltera pronta ser apedrejada. Leu pausadamente, visivelmente emocionado pela sabedoria de Jesus. Um a um todos se retiraram.
Seguiu-se mais uma homilia forte, dirigida para a necessidade de perdoar, de dissecarmos a nossa consciência antes de julgarmos o próximo. A celebração sossegava as minhas saudades. A missa aproximava-se do fim e após a comunhão quando regressava piamente ao meu lugar, a minha expressão solene desvaneceu-se ao olhar para o banco detrás. Esperei-a à saída.
- Julgava-a Hindu.
- E eu católico a si. Não deve ter prestado muita atenção às leituras. Sabe foi a primeira vez que entrei numa igreja… Deve saber que sou casada? O Cristianismo é engraçado, é uma religião fácil. Seduz-me a noção de pecado e perdão. Não me revejo nos padres mas a religião é engraçada. Porque decidiu aparecer na conferência? A minha religião não é puritana como a sua. Conseguiriam mais fiéis se ornamentassem as igrejas com a voluptuosidade dos nossos templos. Sem reprodução também desapareceriam.

Mas tu já estavas perdoada antes de pecar. Ninguém te apedrejaria. Há uma pureza no teu rosto. Deus compadece-se de seres como tu. Foste visitar a sua casa para me veres, sabias que ali também era o meu lugar. Não devias ter vindo ao meu encontro Jaya.

1 comentário:

  1. "GOA
    Bela, jovem, toda branca
    A vaca tinha longos finos cornos
    Afastados como as hastes da cítara
    E pintados
    Um de azul outro de veemente cor-de-rosa
    E um deus adolescente atento e grave a guiava

    Passavam os dois junto aos altos coqueiros
    E ante a igreja barroca também ela toda branca
    E em seu passar luziam
    Os múltiplos e austeros sinais da alegria"

    "GOESA
    Tudo era atravessado por um rio de memórias
    E brisas subtis e lentas se cruzavam
    E enquanto lá fora baloiçavam
    Os grandes leques verdes das palmeiras
    Uma rapariga descalça como bailarina sagrada
    Atravessou o quarto leve e lenta
    Num silêncio de guitarra dedilhada"


    Sophia de Mello Breyner Andersen

    Estes poderão ser mais um dos ingredientes indelevelmente absortos nas sua luminosa narrativa :)

    Francisca Eça

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