sexta-feira, 25 de julho de 2008

Despedida

O Congresso foi perdendo a sua chama. Os oportunistas chegaram, os idealistas do movimento de libertação foram perdendo o seu espaço, saíram aos poucos. Nerhu tinha criado a terceira via, um grupo de países não alinhados com nenhum dos dois blocos. Fomentou uma economia proteccionista, favorecia as empresas indianas, rodeou-se de jovens quadros. Jaya e o marido encontraram o seu espaço. Toda a sua dedicação deu origem à natural recompensa: num emprego em Nova Deli.
Despediu-se de mim no último ano do curso. A Índia precisava dela, não havia forma de virar as costas à luta, à construção da nação. Mas eu também precisava de ti. Se não tivesses ido alguém havia de te substituir, o país tem milhões de habitantes! Porque tiveste que ser tu a ir? O único sítio onde eras insubstituível era nas tardes em que faltava às aulas e ficávamos no meu quarto de estudante. O meu coração era o único lugar onde eras realmente necessária. Gostava principalmente da tua pele em Julho. A monção abatia-se sobre Puna, a terra ganhava outro cheiro e a tua pele colava-se à minha. Ao entardecer vestias-te e regressavas a casa. Não me levantava para despedidas, aquele momento era insuportável. Vivia-o todas as semanas enquanto o teu marido inspeccionava os quartéis do estado. Permanecia deitado, letárgico. Ficava a imaginar a melhor forma de subtrair esse asco das nossas vidas. Talvez se ele descobrisse a verdade te deixasse voluntariamente, mas já tinha dado todos os sinais àquele idiota e não havia maneira de ele desconfiar. Seria bom que te expulsasse de casa. Partiríamos juntos para Goa. Ninguém precisava de saber do teu passado. Baptizar-te-ia, casaríamos numa Igreja. Eras capaz de mudar de religião por mim? Eu fui. Nunca acreditei naquelas reuniões que me obrigaste a ir. Achava ridícula a forma como se vestiam, a forma como me passei a vestir, as minhas ideias políticas. Nunca foram minhas, eram convicções implantadas por força das circunstâncias, pela agressividade dos teus olhos. Depois fui-me modificando, absorvi todas aquelas doutrinas, passei a acreditar. Fazia-me falta a dinheiro da quota mensal entregue ao partido. Já naquele tempo desconfiava que a corja que assaltou o poder andava a enfartar-se com o meu dinheiro. Eram um bando de fundamentalistas hindus disfarçados de socialistas. Insuportáveis. Acreditei naquela gente ou fingi para mim mesmo? No fundo eram políticos. Se acreditei neles foi por que quis fazer parte do teu mundo. Sofro pelas coisas que disse ao meu pai nas férias. Ele não merecia, mas foi a única vez que tive coragem de o enfrentar, de lhe falar nos olhos. Quando regressei de canudo na mão lá estava ele no cais da segunda classe à espera. A carruagem da frente passou por ele, tentei acenar-lhe. Não me viu. Estava mergulhado numa resignação profunda, no tormento dos meus discursos. Depois viu-me de fato a descer mais adiante.
- É muito melhor viajar em primeira classe.
O meu pai sorriu. Nunca me perguntou a razão da minha metamorfose. Atribuiu-a um devaneio de juventude.
Jaya deixou-me por uma cargo qualquer. Se tivesse sido por outro homem, mesmo pelo marido parecer-me-ia legítimo. Compreendo que se ceda à força da paixão. Não entendo a tua sede de poder.
- Se algum dia for a Nova Deli sabe onde me encontrar. O nosso amor não tem espaço na vida. Não posso mudar a vida. É preferível abafar o amor. Se conseguir entender isto será mais fácil. Faço-o pelos dois.

Não encontrei paciência para tanta futilidade. Terá retirado aquelas palavras de um filme de Bollyhood?

1 comentário:

  1. Como é que o amor não tem espaço na vida? Ela não ama, ela emociona-se, controla, cria dependência. Não esperes nada dela. A vida de Jaya não tem o sentido do amor e por isso nunca te vai ENCONTRAR.

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