
Acordei na minha cama. Paulina sorriu. Disfarçou a inquietude.
Havia sido levado pelo guarda livro de um cliente de meu pai, que por milagre regressava de uma visita a uma prima, quando me descobriu na sombra de uma jaqueira.
Chamaram o Dr. Azevedo. Era um dos melhores médicos de Goa. Pegou-me na mão. Tinha um olhar apreensivo.
- É preciso baixar-lhe a febre.
Acho que voltei a perder a consciência. Paulina segurava a minha mão. Agarrava-a com a força de quem quer vencer a morte. Contraiu o rosto. Seria para mim ou para afastar a morte? Quando acordei ela ainda lá estava. Continuava a agarrar-me a mão.
- Recomendo que seja restringido o contacto. Deve evitar o contágio. Os medicamentos ajudá-lo-ão a passar a noite. Volto amanhã.
Olhou para mim como quem se despede de um condenado. Não me recordo de o Doutor ter voltado. Disseram-me que voltou. Saiu do quarto mais preocupado. Desconhecia o mal que me atacava. Era necessário hidratar-me, recomendou muita água de coco. Paulina levantou-me a cabeça, colocou o copo nos meus lábios e esperou pacientemente pelas minhas forças. Os dias seguiram-se, sempre iguais, pautados por períodos de consciência. Voltaram-me a dar água de coco.
As únicas pessoas que estavam autorizadas a entrar no quarto eram a minha mãe, o Dr. Azevedo e a Paulina. Mas Paulina não precisava de entrar. Não chegou a sair.
Os amigos de casa evitavam visitas. Sugeriram à minha mãe diferentes infusões, ervas, emplastros. Talvez fosse mau-olhado. O Dr. Azevedo irritou-se. Confiscou todos os frascos de mezinhas.
Vi o meu pai pela primeira vez nesses dias. Talvez já lá tivesse estado. Colocou-me a mão na testa. Depois passou-a pela testa de Paulina sob o pretexto de comparar a temperatura. Repousou a sua mão vagarosamente nos seus cabelos e chorou. Ela pediu-lhe para sair. Fiquei sozinho. Quando acordei estava a ser levado por Paulina e Rosu pela varanda da casa. Era de Noite Ao passar junto do quarto, perto da sala, vi na penumbra da porta semi-cerrada que toda a família estava ajoelhada em frente ao oratório. Era um oratório trabalhado de forma minuciosa, talvez por artífices hindus, que representava a sagrada família. O Menino olhou enternecido. O seu rosto era iluminado pelas velas. Estava longe. Rezavam o terço e não se aperceberam da minha saída.
Acordei numa casa hindu. Era a casa dos familiares de Rosu, para onde eu costumava fugir durante as festas do Ganesh. Era uma casa pobre, mas faziam questão de me empanturrar com os melhores doces. Era a festa mais importante do ano.
Permaneci de pé. Paulina segurava-me nas costas e uma pequena fogueira foi acesa por baixo do tecto de colme. Para minha surpresa Rosu pintou a testa e circulava à minha volta, de olhar ameaçador, agachando-se diversas vezes. Recitava um mantra imperceptível. Pegou numa malagueta verde e passou-a pela minha testa. Repetiu o mesmo gesto vezes sem conta e depois colocou a malagueta na fogueira. Pegou numa malagueta vermelha e reiniciou o ritual. Depositou-a no fogo e desta vez ouviu-se uma pequena explosão. Seria a morte a vir finalmente ao meu encontro?
Vim a saber, mais tarde, que a explosão se devia à raiva do mau-olhado ao ser queimado.
Recuperei milagrosamente da minha enfermidade. Nunca falei do sucedido a ninguém, pois bastaria uma palavra minha e a Rosu seria expulsa de casa. A minha mãe não tolerava bruxaria. Eu, tal como ela, nunca acreditei nesse tipo de coisas. Até hoje sinto que devo a minha vida à Rosu.
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